MPF acompanha operação para retirada de não indígenas dos territórios Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará
O Ministério Público Federal (MPF) acompanha, nesta segunda-feira (2), operação do Governo Federal para retirada de não indígenas dos territórios Apyterewa e Trincheira Bacajá, localizados no sudeste do Pará. A medida chamada "desintrusão" tem como propósito garantir o direito dos ocupantes tradicionais desses territórios. A ação é conduzida pela Secretaria Geral da Presidência da República, pelo Ministério dos Povos Indígenas, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), pela Força Nacional, entre outros órgãos.
A operação é resultado de pedido feito pelo MPF ao Supremo Tribunal Federal (STF), no final de 2021, para suspender decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que impedia a realização de operações para a retirada de invasores da Terra Indígena (TI) Apyterewa. Localizada entre os municípios de Altamira e São Félix do Xingu e de posse tradicional da etnia Parakanã, a área vem sofrendo com o aumento gradual no número de invasores, desde sua homologação, em 2007. Estima-se que, atualmente, mais de 3 mil pessoas não pertencentes à etnia estejam residindo ilegalmente na região, ocupada por aproximadamente 1,4 mil indígenas.
Para o MPF, a permanência de ocupantes ilegais na área aumenta o risco de conflitos, violando o direito dos Parakanã à posse de seu território, além de aumentar o desmatamento na região. “O Ministério Público Federal está envolvido nessas ações para desintrusão das terras indígenas há mais de uma década, e é nosso interesse que isso ocorra da melhor forma possível, garantindo que todas as pessoas – todos os cidadãos brasileiros, indígenas ou não indígenas – tenham seus direitos assegurados, de forma tranquila e pacífica”, afirma a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), Eliana Torelly .
Levantamento deste ano do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) aponta que a TI Apyterewa possui 45,6 mil hectares de áreas desmatadas, o que equivalente a 11,59% do território, sendo a terra indígena com maior índice de desmatamento da Amazônia Legal. Com o avanço da invasão, os Parakanã estão sendo progressivamente confinados em sua própria terra, ocupando atualmente apenas 25% do território.
Em 2022, o procurador da República Márcio de Figueiredo Araújo esteve, durante quatro dias, no território indígena para avaliar a situação, após indígenas relatarem à Funai terem recebido ameaças de invasores. Na ocasião, foram coletados depoimentos e fiscalizados pontos onde haveria comercialização ilegal de lotes. “Constatamos o aumento do número de invasores e o agravamento da situação já precária em que vivem os Parakanã, tornando urgente a desintrusão”, relatou o procurador.
A situação levou o MPF a ajuizar, em maio deste ano, uma ação civil pública (ACP) para condenar os invasores e o município de São Félix do Xingu pela construção de estrada irregular e desmatamento ilegal na terra indígena. “Não bastasse este gravíssimo cenário, o município de São Félix do Xingu vem autorizando ou empreendendo obras em benefício dos invasores, de maneira inconstitucional e ilegal, o que contribui para o avanço do desmatamento e para a perenização das invasões. Isso agrava ainda mais o custo político e econômico para a realização da desintrusão pela União”, denuncia o procurador da República Rafael Martins, que propôs a ACP.
Disputa judicial – Apesar de homologada em 2007, a TI Apyterewa é reconhecida como de posse tradicional dos indígenas desde 1992. Portanto, há pelo menos 30 anos o território é alvo de invasões para fins de grilagem de terras e mineração ilegal. Na ação de retirada dos não indígenas (desintrusão), as ocupações são classificadas pela Funai em duas categorias: de boa-fé e má-fé (Resolução nº. 220/2011).
Os ocupantes de boa-fé são aqueles que se instalaram no território até 31 de dezembro de 2001, data de publicação da Portaria nº 1.192/2001 do Ministério da Justiça, primeira a fixar os limites atuais da TI Apyterewa em 773 mil hectares. Essas pessoas têm direito a receber indenização pelas benfeitorias realizadas, pois quando se instalaram no local não sabiam que se tratava de terra indígena. Todos os que ocuparam o território a partir de 2002 são considerados de má-fé, pois já tinham conhecimento da área pertencente aos Parakanã. Por isso, recebem tratamento jurídico de invasores sem direito a indenização.
Entre 2011 e 2017, foram organizadas algumas operações para a retirada de não indígenas da área, que não obtiveram sucesso por razões diversas, como decisões judiciais e ações violentas de grileiros. Durante esse período, diversos processos foram ajuizadas na Justiça, na tentativa de interromper o processo de desintrusão e questionar o marco temporal da boa-fé. Como resultado, centenas de invasores se somaram aos antigos ocupantes, fazendo novamente disparar os índices de desmatamento na região.
A corrida aos tribunais levou a Funai a apresentar o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada (STA) nº 780 ao STF, que suspendeu todas as decisões favoráveis aos invasores, possibilitando a retomada da desocupação. Na avaliação do procurador Rafael Martins, as ações na Justiça que questionam a desintrução têm caráter protelatório, ou seja, buscam apenas prolongar a permanência de ocupantes ilegais no território. Isso porque desde 1992 - quando a Terra Indígena Apyterewa foi reconhecida pelo Estado brasileiro - nunca houve qualquer decisão judicial anulando o processo de demarcação.
“Hoje, portanto, não há decisão válida e eficaz que impeça o prosseguimento das medidas para a desintrusão da área”, pontua Martins. Ao contrário, há entendimentos do STF, do TRF1 e da Justiça Federal de primeiro grau em diversos casos no sentido de impor a retirada de invasores do território.
TI Trincheira Bacajá – De modo semelhante ao que ocorre com Apyterewa, a TI Trincheira Bacajá - ocupada tradicionalmente por pouco mais de mil indígenas das etnias Xikrin e Mebengôkre Kayapó - também tem sido alvo de invasões de não indígenas desde 2018, inclusive com o apoio da prefeitura de São Félix do Xingu. O território – que se estende pelos municípios de Altamira, Anapu, São Félix do Xingu e Senador José Porfírio – alcançou em 2020 o quarto lugar no ranking das áreas indígenas mais desmatadas na região, de acordo com o Inpe.
Mesmo após ações de desintrusão realizadas em novembro de 2019 pela Polícia Federal e de fiscalização ambiental em abril de 2020 pelo Ibama, os invasores retornaram quase que imediatamente para dentro da TI, reabrindo estradas, reconstruindo pontes de acesso e recompondo moradias. Diante da situação identificada, o MPF ajuizou duas ações civis públicas (ACPs) para tentar conter as invasões e cessar o desmatamento na região.
A proximidade cada vez maior entre invasores e indígenas tem criado tensões que “podem descambar para um fatídico e violento conflito”, alerta o MPF. O procurador da República Rafael Martins, responsável por uma das ACPs, aponta que a presença de não indígenas no território tem prejudicado o livre exercício das tradições culturais dos povos Xikrin, gerando um sentimento de medo e apreensão. “É necessário que a União empregue todas as forças e órgãos de segurança a ela vinculados para coibir as invasões e explorações ilícitas na TI Trincheira- Bacajá”, defende na ação.
Fiscalização – Para o MPF, a desintrusão não deve ser vista como a conclusão do trabalho de proteção dos povos de Apyterewa e Trincheira Bacajá. Mesmo após a retirada dos não indígenas dos dois territórios, será necessário manter acompanhamento e monitoramento contínuos para garantir a efetividade da medida de modo que os invasores não retornem aos territórios.
O órgão também aponta para a necessidade de responsabilização administrativa, civil e penal pelos danos causados pelos invasores, incluindo os impactos ambientais. “A ação coordenada de desintrusão certamente trará um resultado positivo imediato. Mas para que ele se perpetue, será necessário que esse trabalho conjunto seja mantido e fortalecido ao longo do tempo”, conclui o procurador Márcio de Figueiredo Araújo.